Trago para o blog mais um dos meus livros favoritos, A entrega, de Toni Bentley. Quem já me conhece sabe que tenho uma preferencia por mulheres na literatura e em vocais de bandas. Prezo pela liberdade de conhecimento feminino, já que a maioria das mulheres não conhece nem como é sua própria vagina (usar um espelho faz milagres #ficaadica), não tem orgasmo, pois não sabem quais partes do seu corpo causam mais prazer, algumas nunca pensaram nisso, outras temem ser tachadas pela sociedade como puta, vagabunda, piranha, então acabam deixando de lado sua curiosidade natural, mas voltemos ao tema já que esse não é o ponto do post.
Uma característica (que já não é novidade) no livro A Entrega e que eu gosto nesse estilo de literatura, é a da autobiografia erótica/pornográfica, já desenvolvida por Casanova em suas memórias, pelo relato anônimo (e duvidoso) do vitoriano Walter em Minha Vida Secreta, por nomes consagrados que estão no meu Hall of Fame da literatura como Frank Harris, Henry Miller, Erica Jong, Anais Nin (minha musa inspiradora), Pauline Réage (pseudônimo de Anne Desclos), Catherine Millet, Valérie de Tasso (autora do ótimo livro diário de uma ninfomaníaca), por escritoras brasileiras de 70/80 como Adelaide Carraro, Cassandra Rios, Márcia Denser e recentemente (num claro indício da total libertação sexual e pessoal feminina) por nomes como Melissa Panarello, Ana Ferreira e Sabina Anzuategui, Ruth Barros, Heloísa Campos. Mas Toni Bentley em sua incursão, parece ir além de todos esses nomes, seja pela ousadia, seja pela intensidade com que relata sua descoberta e sua paixão sobre o polemico (e ainda um tabu pra muitos) sexo Anal.
Ao comentar sobre seu meticuloso hábito de contar cada uma de suas relações anais, Toni Bentley, autora de A Entrega: memórias eróticas (Objetiva, 2005, 220 págs.), se justifica como sendo "anal". A autora está muito além de ser uma simples freudiana e de fato, parece ter desenvolvido uma verdadeira "alma anal", termo que pode ser explicado pela intensa relação espiritual/existencial que Bentley estabelece em seus "sórdidos" relatos.
O livro envolve um relato pessoal das experiências eróticas da autora, desde uma breve introdução acerca de seu defloramento, suas primeiras relações sexuais insatisfatórias, seu casamento fracassado (e traumático) e diversos relacionamentos monogâmicos infrutíferos, até sua grande descoberta sexual com o Homem A, com quem vive uma relação por cerca de três anos. E a tal grande descoberta da narradora nada mais é que o intenso prazer que encontra nas relações anais mantidas com seu amante. Mas fica claro, pela intensidade e pela complexidade que é dada por Bentley à sua relação com o Homem A, que não se trata apenas da descoberta de um grande prazer, mas um desabrochar espiritual. A ex-bailarina, ex-esposa e ex-boa-moça tem uma formação ateísta que a leva a procurar de diversas maneiras por alguma crença divina.
Além disso, carrega traumas de uma criação paterna rígida e carente de amor, o que segundo a própria narradora, pode ter sido grande o fator que a levou a desenvolver seu caráter tão oblíquo e tão frágil e a ser uma pessoa com tantas dificuldades de relacionamentos (infelizmente não é só com ela que isso acontece). E essa mulher de vida sexual tão atribulada acaba encontrando a terapia e a "cura" de seus fantasmas na sua "porta de saída". Numa relação (jamais monogâmica) de prazer transcendente, masoquismo e obediência temperada, Bentley viaja para dentro e fora de si, harmoniza seus yin-yang, tem seu encontro consigo própria e com Deus, a sua luz interior, a revelação de sua espiritualidade é acesa pelo seu buraco obscuro!
E podem pensar, sim, que essa paixão não é novidade tão grande, pois o ânus é pra lá de cantado e recantado na literatura erótica e/ou pornográfica: o renascentista Pietro Aretino já cantava repetidamente em seus sonetos o seu grande apreço pelo sexo anal ("E Deus perdoe a quem no cu não fode"), e também Sade na voz do cínico Dolmacé, disserta longa e apaixonadamente sobre sua devoção pelo ânus. Mas deixo claro que Aretino e Sade além de lidarem com uma tradição pornográfica de estereótipos, passam ao leitor uma visão masculina do assunto. De poucas vozes femininas que já vi falando sobre a "paixão obscura" (e como uma revelação de prazer), lembro talvez apenas de Adélia Prado em seu poema "Objeto de Amor":
"De tal ordem é e tão precioso/ que vou dizer-lhes
que não posso guardá-lo/ sem a sensação de um roubo:
cu é lindo!/ Fazei o que puderes com esta dádiva.
quanto a mim dou graças/ pelo que agora sei
e, mais que perdoo, eu amo."
Recentes estudos de sexologia já se aprofundam bastante nos assuntos das relações anais (e não mais como perversões, desvios ou tabus), esquadrinhando e diferenciando inclusive, os orgasmos anais feminino e masculino. Mas a experiência de vida de Bentley parece adiantar esses estudos em anos (ou ânus...).
E em meio a tantas descrições de coitos anais (ela conta um total de 298 do início até um fim de seu caso com o Homem A) e reflexões e apologias ao buraquinho, o livro apresenta ainda um caráter de manual informativo. Bentley, com base em vasta experiência de campo, disserta sobre diversos "tipos" sexuais peculiares (como o Farejador de Vagina, apaixonado pela prática do cunilíngua), sobre práticas e preferências sexuais mais "comuns" como o ménage à trois, o swing, o 69, divagações sobre tamanhos de pênis, etc. Também apresenta dados e estatísticas sobre sodomia: eu mesma não fazia ideia, por exemplo, de que até 1962 todos os estados norte-americanos tinham leis severas contra a prática sodomita e que em treze deles ainda vigoram leis desse caráter, tendo havido, só na Carolina do Sul, entre 1945 e 1974, 146 processos e 125 condenações! A autora ainda fala sobre tipos de lingerie e sobre o KY Gel, deixando inclusive dicas de uso e compra: "Conselho para quem dá o cu: use óculos escuros para comprar KY e não se vire na fila do caixa: estão todos olhando para sua bunda, sem acreditar".
A Entrega, enfim, como todo grande auto relato erótico envolve a história de uma paixão, um grande caso, com seu desenrolar, sua decadência e seu fim (mas que deixando uma clara mensagem de renovação do espírito humano e continuidade da vida). Pode ser visto, afinal, como uma bela e intensa história de amor, escrita com estilo e alma. Um livro para ser lido sem preconceitos e/ou julgamentos morais, mas com a mente e o espírito "escancarados".
The Yearning Of Maria D. (2018) Marian Dora
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The Yearning Of Maria D. (2018) aka Das Verlangen der Maria D. Genre: Drama
Country: Germany | Director: Marian Dora Language: German | Subtitles:
English ...
Há 13 horas
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