Mas afinal o que é sadomasoquismo? Entrevista com Carmen Puentes.


Existe muito preconceito?

Muito. As pessoas associam com violência, que é uma coisa diferente. Como todo preconceito, é fruto de ignorância. As pessoas não sabem o que é o sado. O sadomasoquismo é cheio de regras. A pessoa não pode passar a mão na bunda de outra, por exemplo, sem que isso seja permitido. É tudo extremamente ético. Eu sou uma pessoa normal, tenho uma vida absolutamente regrada. Eu não saio com todo mundo. Eu apenas tenho uma casa noturna.

O que é então o sadomasoquismo?

Olha, é um ritual de fetiches e técnicas de dominação. O couro por si só pode ser um fetiche. Tem fetiches como o uso de bota, coturno, algema, todos os detalhezinhos da vestimenta são fetiches. Agora, o sado é uma filosofia. Não é um gueto, não é deprimente, não é pesado. Isso é rótulo da mídia, é a difusão do preconceito.

E como é o funcionamento dessa casa noturna?

No clube não existe relação sexual. São vários tabus que você vai quebrando porque a pessoa fantasia. E é um jogo delicioso porque você pode se sentir dominado. Isso é ótimo. É bom não ter que comandar. Na vida que a gente leva hoje, tá tudo sempre nas nossas costas. É um peso. Então o sadomasoquismo proporciona um jogo de estar no outro lado. O que tem de empresários bambambãs que frequentam a casa como escravos! Aqui eles têm que baixar o olho para as dominadoras, é outra história. Mas não tenho uma casa de supremacia feminina, não é exatamente isso. O que acontece é que os homens que vêm aqui querem ser dominados por mulheres.

E como é o clima entre as pessoas?

O pessoal se entrosa. Quando você vê, está no meio da muvuca, todo mundo sentado junto batendo papo. Não é casa de suingue, é uma filosofia. Então a pessoa vem aqui e passa pela cerimônia de encoleiramento.

Como é isso?

É um ritual de iniciação. Cada dominador encoleira seu escravo. Mas é uma cerimônia bem ritualística, as músicas que tocam são celtas, é uma coisa tranquilona.

Você acha que coisas como levar um puxão de cabelo ou fazer sexo anal são manifestações sadomasoquistas?

Tem isso sim. Aquela coisa de "um tapinha só não dói".

Então o sadomasoquismo é mais comportamental do que sexual?

Claro. O que a gente diz é que o sado não precisa começar na cama e não precisa terminar na cama, entendeu? Você não precisa transar com uma pessoa pra se dizer sado, e você não tem essa obrigação. Tem muitas dominadoras que têm uma sessão com o seu escravo, fazem uma cena, no final ela manda o cara se masturbar, e acabou.

Como funciona essa relação com escravos?

Existem relações que são mais próximas. Têm dominadoras que são casadas com o marido, que são escravos delas. Tem muita gente que vem experimentar, é escravo por uma noite. E fazemos tudo com muito cuidado, porque precisa saber bater, aquecer o corpo antes. Dar um soco na cara da pessoa não é sadomasoquismo. É agressão.

E não tem nada disso?

Violência é antônimo do sadomasoquismo. O sado é prazer. Ninguém faz sado por raiva, e o nosso sado não se dá na época de Sodoma, aquela coisa absolutamente cruel, nem se compara com a Inquisição, quando eram feitas torturas absurdas em nome do divino. O sado é erótico e é consensual. Tem regras, um código de comportamento. Por exemplo, não é permitido estar bêbado nem drogado.

Não existe nada de perigoso envolvido?

Não existe nada de perigoso, por mais que você use agulha, por exemplo, porque, claro, nem tudo é light. Você pode usar coisas hards também. Mas é tudo esterilizado, usamos iodo para passar na pele.

Como era a sua vida antes de descobrir o sadomasoquismo?

Eu era pedagoga. Dos 3 aos 27 anos estudei em colégio de freira. Engraçado é que as freiras muitas vezes não podem pôr a mão na gente, assim como também acontece com chefes, e aí usam domínio psicológico. Uma técnica de sadomasoquismo [risos].

Como foi essa guinada de ser pedagoga em escola de freiras para empresária sadomasoquista? Você deu uma pirada?

Eu não tive escolha. Fui movida pelo meu desejo. É quem eu sou.

E a sua família? Eles sabem? Como reagiram?

Meus pais já são falecidos, mas fui criada em família tradicional. Tenho dois irmãos, família estruturada, do Tatuapé. Meu irmão sabe, minha cunhada sabe, e me dão o maior apoio. No meu último aniversário, eles vieram com carro de som e ficaram lá fora. Tinha uma tia, que não sabe de nada, fizeram o maior barulho na praça. O pessoal S&M todo com a minha família, rindo. Tiraram o maior sarro de mim.

Queria entender melhor a ligação da dor com o prazer...

Sexo anal tem dor, perder a virgindade tem dor. Tem tantas coisas do sexo padrão que tem dor envolvida, né? A dor é praticamente um limpar a alma, é purificação. Pelo menos paro o masoquista é assim. Tem a dor que você suporta só pra agradar quem está com você, quem está te dominando. Você não está sendo obrigado, mas está se entregando. Você sabe que a mulher é dominadora, e que ela gosta de spanking {técnicas de espancamento}. Então você vai se entregar ao que ela gosta. É um ritual de dar e receber prazer. É isso. É simples. Não deveria ser discriminado.

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