“Beije-me
ele com os beijos da sua boca; porque melhor é o teu amor do que o vinho.”
Cântico dos Cânticos 1:2
Pouca gente se dá conta, mas Deus deixou um livro inteiro de erotismo explícito dentro da Bíblia. Não é um tratado espiritual disfarçado em metáforas. É poesia sensual, corporal e sagrada, cheia de cheiro, toque, beijos, desejo e entrega.
O Cântico dos Cânticos (Shir HaShirim) não fala de anjos, mas de um homem e uma mulher desejando-se profundamente, com intensidade física e beleza espiritual. E Deus inspirou isso.
Aline
Milgrom, em A Bíblia Erótica, observa:
“Se
Deus tivesse problemas com erotismo, não teria permitido que um livro de desejo
apaixonado fizesse parte do cânon sagrado. O Cântico nos lembra que o prazer é
criação divina — não inimiga da fé.”
Enquanto parte da tradição cristã tenta empurrar a sensualidade para os bastidores, a Escritura a coloca no centro de um dos seus livros mais belos.
1. O
Cântico não é apenas metáfora: é erotismo santo
A
interpretação alegórica (Cristo e a Igreja) não precisa ser descartada, mas
também não deve apagar o sentido literal. O texto fala de amantes reais. Ela
suspira pelos beijos dele, ele descreve o corpo dela em detalhes vívidos. Há
perfumes, camas, encontros noturnos e êxtase.
O termo hebraico usado para “beijos” em Cânticos 1:2 é נָשַׁק (nashaq), que literalmente significa “beijar com intensidade”, podendo carregar a ideia de um beijo profundo, íntimo, quase como um “selar” de entrega.
Quando ela diz: “melhor é o teu amor do que o vinho”, o termo para “amor” é דֹּדִים (dodim). Diferente de ahavah (amor mais amplo e relacional), dodim significa “carícias amorosas, deleites eróticos, afagos íntimos”. É a palavra usada repetidamente no livro para descrever o desejo físico e a experiência sensual.
Ler o Cântico como devocional não é só espiritualizar; é também aprender preliminares, linguagem do desejo e celebração do corpo como parte da adoração.
2. O
corpo da esposa como poesia de Deus
“Quão
formosos são os teus amores, minha irmã, esposa minha! Melhor é o teu amor (dodim)
do que o vinho, e o aroma dos teus ungüentos do que todos os bálsamos.”
Cântico 4:10
Aqui, o marido não apenas tolera o corpo da esposa, ele o celebra poeticamente. Ele elogia, contempla, descreve. Não há vergonha, não há pudor sufocante: há encantamento.
Tim Keller lembra em The Meaning of Marriage:
“Elogiar
o corpo do outro no casamento é espiritualidade prática. O desejo saudável é
parte da linguagem do amor.”
Julie
Slattery complementa:
“A
mulher precisa ouvir do marido que seu corpo é belo e desejado — isso é tão
santo quanto um hino bem cantado.”
O termo hebraico para “esposa” em alguns desses trechos é כַּלָּה (kallah), que significa “noiva” ou “esposa celebrada”, evocando ternura e solenidade. O marido não a trata com vulgaridade, mas com reverência erótica.
3.
Sensualidade não é pecado: é revelação
“Eu sou
do meu amado, e o seu desejo (teshuqah) é por mim.”
Cântico 7:10
A palavra hebraica תְּשׁוּקָה (teshuqah) aparece raramente nas Escrituras. Além deste verso, aparece em Gênesis 3:16 e Gênesis 4:7. Aqui, porém, não tem conotação de conflito, e sim de atração irresistível. É o desejo intenso que move o amado em direção à amada.
Christopher
West comenta:
“A
sensualidade conjugal é uma profecia encarnada: aponta para a alegria do Céu.
Quando o corpo fala a linguagem do amor verdadeiro, ele está pregando um
sermão.”
Negar a sensualidade é muitas vezes aceitar visões ascéticas que tratam o prazer como sujo. Deus não tem medo do desejo. Foi Ele quem o criou.
4.
Beijos, toques e gemidos: o salmo erótico da Bíblia
“Entrei
no meu jardim, minha irmã, minha noiva; colhi minha mirra e meu bálsamo, comi
meu favo de mel e meu mel; bebi meu vinho e meu leite.
Comei, amigos, bebei, embriagai-vos de amores (dodim).”
Cântico 5:1
Este verso é escandaloso quando lido com atenção. A linguagem do “jardim”, do “mel” e dos “vinhos” é fortemente simbólica, evocando intimidade sexual e prazer profundo. Muitos estudiosos entendem que há aqui alusões claras a práticas sexuais, incluindo sexo oral, celebradas sem culpa nem censura.
Note que a última frase - “Comei, bebei, embriagai-vos de amores” - é a única intervenção direta de Deus no livro. E o que Ele faz é abençoar e incentivar o prazer dos amantes.
Julie
Slattery diz:
“A
sensualidade santa é um campo de batalha. O inimigo tenta transformá-la em
vergonha ou pornografia. Deus quer restaurá-la como adoração.”
5. Sexo
como liturgia íntima
Muitos
cristãos estão acostumados a pensar em culto como algo que acontece dentro de
um templo: oração, cânticos, pregação, ceia. Mas Hebreus 13:4 afirma:
“Digno
de honra entre todos seja o matrimônio e o leito sem mácula.”
No original grego, “leito” é κοίτη (koité), termo usado também para “relação sexual”. É a raiz da palavra “coito” em português. O texto diz literalmente: “o leito conjugal seja mantido honrado/puro”. Isso não significa “sem desejo”, mas “sem profanação”. O leito conjugal é, portanto, um espaço santo, um altar íntimo.
Cada beijo, cada toque e cada orgasmo podem ser tão espirituais quanto levantar as mãos num louvor congregacional. Não porque o prazer seja um deus, mas porque o prazer pertence a Deus.
O Cântico dos Cânticos é uma obra-prima de erotismo santo e um lembrete de que Deus não separa corpo e espírito como nós fazemos. O prazer conjugal não é “menos espiritual” que oração ou louvor: é outra forma de expressar unidade, entrega e amor que Ele mesmo criou.
Quando um casal se deseja, se toca, se admira e se entrega sem culpa, estão ecoando uma verdade eterna: o amor de Deus é encarnado, exuberante e belo.
“O leito sem mácula não é o leito cheio de regras - é o leito cheio de amor.”
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